Como o modelo de remuneração médica influencia sua consulta?

Falar sobre remuneração médica é algo que interessa a qualquer profissional. Porque significa na prática, a valorização do seu trabalho e tudo que está por trás dele, como os anos de estudo e dedicação à profissão.
Uma carteira com dinheiro em cima de uma mesa.

Compartilhe

Remuneração médica

Falar sobre remuneração médica é algo que interessa a qualquer profissional. Porque significa na prática, a valorização do seu trabalho e tudo que está por trás dele, como os anos de estudo e dedicação à profissão.

Todos nós temos um número na cabeça de quanto gostaríamos de ser remunerados pelos procedimentos ou serviços prestados. Porém, para que a teoria se transforme em prática, precisamos conciliar a excelência do trabalho com a expectativa do mercado.

Eu decidi escrever sobre esse assunto de remuneração médica, motivado por dois comentários que recebi do meu artigo (Por que consultamos do jeito que consultamos?). Um dos comentários foi na página do facebook, e outro nos comentários do próprio blog.

O primeiro comentário foi o da Cintia, minha ex-aluna e amiga pessoal, que disse o seguinte: “[…] Eu mesma, no início da carreira atendia meus pacientes com todo amor e carinho e ao longo dos anos me vi agindo como a maioria … sala de espera cheia … sem tempo para respirar … correndo atrás do prejuízo …”

E o outro foi do Alex, que apesar de não ter sobrenome, eu desconfio que seja um grande amigo de infância, e que hoje, assim como eu, é médico. Ele disse o seguinte: “[…] O que mudou, e enfraqueceu o método, foi a mudança do perfil de cada consulta (tempo da consulta, melhora dos meios de diagnóstico complementar, deficit de profissionais/número de pacientes, remuneração, etc.). A estrutura da medicina privada caracterizada pelos métodos de ação dos convênios, ao meu ver, contribui significativamente por isso!”

Cada comentário está relacionado a um modelo de remuneração médica diferente. Vou agora falar sobre cada um deles e seu impacto no cuidado.

Salário fixo

Esse é o modelo de remuneração médica mais comum e conhecido. Basicamente combina-se um valor fixo por mês, e em troca o profissional oferece um determinado número de horas de trabalho.

Nesse primeiro modelo, podemos observar uma série de características que podem impactar de forma negativa na consulta. A primeira delas é a possível incongruência de quanto é oferecido ao profissional e quanto ele imagina que seja o valor justo que ele deveria receber.

Se esse valor antes de começar o primeiro dia de trabalho já for incongruente, a chance do profissional não realizar um atendimento compatível com o melhor que ele poderia oferecer, caso estivesse mais satisfeito, é grande.

Outro problema é a falta de reajuste de acordo com o mercado. Pois, esse reajuste pode depender de políticas públicas, no caso de um emprego público, ou da política de cargos e salários do empregador. Caso esse reajuste também se torne incongruente ao longo do tempo, a satisfação com o trabalho diminui e consequentemente o serviço prestado é impactado de forma negativa.

E, a última característica que tem o maior potencial de impactar de forma negativa, e que eu acredito que tenha sido o caso da Cintia, é a pressão por número de atendimentos. Dificilmente encontramos um lugar em que um empregador, seja ele público ou privado, contrate um médico para atendimento onde não exista uma demanda assistencial reprimida.

Encontrar um empregador mais preocupado com a qualidade assistencial, que com ao atendimento à pressão por assistência, é muito raro. Até porque, infelizmente, a pressão por atendimento disponível é muito maior, que a pressão por atendimento de qualidade.

Pagamento por procedimento

Em inglês esse modelo de remuneração médica é conhecido como fee for service, ou seja, a cada procedimento que realizo sou remunerado. Esse modelo é tão comum quanto o modelo de salário fixo.

Esse modelo é geralmente utilizado para pagamento de convênios médicos, ou pelo próprio atendimento particular de forma autônoma pelo médico. Vou me ater aqui na discussão ao procedimento consulta médica, foco desse artigo.

Imagine um médico atendendo pacientes com pequenas urgências, em uma clínica, na modalidade plantão. Agora vamos imaginas duas situações de pagamento. A primeira, salário fixo.

Qual é o incentivo desse médico atender bem seu pacientes? Ou melhor, qual o incentivo dele, por exemplo, se esforçar para resolver um problema e não encaminhar para outra especialidade (mesmo que tenha capacidade de resolver o problema), gerando ônus para o sistema? Ou de no final do dia, cansado pela pressão assistencial, que estressa qualquer pessoa, continuar a oferecer um serviço de qualidade?

Agora vamos imaginar a segunda situação de pagamento. O médico recebe por consulta e não pelo tempo. Qual é o tempo que ele irá dedicar a cada paciente, sabendo que quanto mais pacientes atender, melhor para ele?

Ainda mais se o valor da consulta seja considerado por ele injusta?

O mesmo vale para o valor pago pelos convênios médicos, como citado pelo meu amigo Alex. Em um convênio, esse modelo, infelizmente, estimula ao excesso de consultas, mesmo que não seja demanda do paciente. E acaba por conseguinte, expondo os pacientes a iatrogenias.

Capitação

Esse modelo de remuneração médica geralmente não é utilizado como única forma de pagamento.  Geralmente ele é acompanhado pela próxima modalidade citada abaixo.

Nesse modelo, o médico recebe pela responsabilidade de um determinado número de pessoas. Capitação, vem do termo per capita, ou seja, por pessoa. Sendo assim, o médico passa a receber mensalmente por ser o médico de referência de um determinado número de pessoas, quer elas consultem, quer não.

Geralmente, utilizam-se de metodologias para calcular um fator de correção para aplicar aos diferentes grupos de pessoas, utilizando-se de critérios como: idade, sexo, doenças crônicas, uso de medicamentos, estilo de vida, etc… Pois, a expectativa de consultas em um ano de uma mulher com 75, com hipertensão e diabetes é maior que um homem hígido com 16 anos.

Esse modelo é especialmente indicado para médicos que realizem o primeiro contato dos pacientes com o sistema de atenção como os médicos de família.

Pagamento por performance

O último modelo de remuneração médica é talvez o mais interessante de todos. Uma vez que essa abordagem prioriza o resultado em saúde e não o número de atendimentos.

Geralmente ele é utilizado atrelado a algum outro tipo de modalidade. E, tem o propósito de estimular os médicos a oferecerem um cuidado diferenciado a seus pacientes, inclusive a preocupação de tentar garantir que os acordos estabelecidos na consulta sejam concretizados.

Por exemplo, os critérios utilizados para esse tipo de pagamento podem ser: número de pessoas que cessaram o tabagismo; proporção de encaminhamentos para outras especialidades; número de pessoas com diabetes que tem todos os cuidados estabelecidos em protocolo realizados; taxa de parto vaginal x parto cesariana; etc…

Vejam, os outros modelos estimulam apenas o número de atendimentos, sem pensar na qualidade. Enquanto, nesse modelo, a saúde do paciente é colocada na centralidade.

No fundo, todos os médicos querem que seus pacientes sejam os mais saudáveis possível. Afinal, foi com esse propósito que cada um de nós entra em um curso de medicina. Porém, as várias fontes de insatisfação, dentre elas a remuneração nada estimuladora, fazem com que a rotina e a pressão assistencial corrompam esses princípios.

Médico empreendedor

Dentre os 4 modelos de remuneração médica, qual é o mais adequado para você? Bom, essa pergunta não é nada fácil de responder. Na verdade enquanto médicos temos duas opções de vínculos. Ou somos empregados (público ou privado), ou somos autônomos.

Enquanto empregados, parece claro que utilizar ao menos o modelo de pagamento por performance, mesmo que mesclado com as outras formas de remuneração médica, seja o mínimo necessário para impactarmos na qualidade assistencial.

Agora, e quando somos autônomos? Nesse caso, parece que para nós não existe outra forma de ser remunerados a não ser pelo pagamento por procedimento. Ou seja, considerando os médicos que atuam em consultórios ou clínicas, a conta deve sempre levar em consideração o valor do procedimento x o tempo de cada procedimento x o tempo total de dedicação à atividade.

Para chegarmos ao valor ideal de pagamento, precisamos equilibrar o tempo dedicado ao trabalho x o valor recebido por hora (procedimento x tempo de cada procedimento). Agora temos que ter o cuidado de não superestimar nenhum deles, pois nesse caso teremos um profissional estressado pelo excesso de trabalho, ou um profissional que está dedicando pouco tempo de atenção aos seus pacientes.

Conclusão

Pensar na carreira médica, envolve, além de todas outras questões que estamos acostumados, a considerar a forma de remuneração. Não existe fórmula mágica se em primeiro lugar não formos excelentes profissionais.

Porém, não basta sermos excelentes profissionais médicos, e não conseguirmos equilibrar a satisfação no trabalho com a satisfação da vida pessoal.

E aí? Gostou do artigo? Se esse tema pode interessar alguns dos seus colegas, por gentileza, compartilhe nas suas redes sociais. Esse tema fez sentido para você? Deixe seus comentários abaixo, eles são muito importantes para que eu possa ter parâmetros de como meus artigos estão impactando os leitores, e inclusive, que temas futuros podem ser trabalhados.

Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade

Artigo por

Heitor Tognoli
Médico empreendedor e fundador da Communicare, um software completo para clínicas e consultórios. A Communicare nasceu do casamento entre a paixão pelo cuidado de excelência e pela praticidade que a tecnologia nos oferece. Hoje, ajudamos médicos e demais profissionais de saúde, que atuam em clínicas e consultórios, a revolucionarem a gestão e o cuidado em suas clínicas.
Tabela de conteúdo
Em 1968, o diretor clínico do Cleveland Metropolitan General Hospital, Lawrence L Weed*, preocupado com a complicação dos registros clínicos, e o impacto negativo causado na gestão do cuidado dos pacientes, publicou um artigo na New England Journal of Medicine, intitulado “Medical Records that Guide and Teach” (Registros Clínicos que guiam e ensinam).
“O mapa não é o território” foi uma frase proferida pela primeira vez por Alfred Korzybski, um engenheiro, filósofo e matemático polonês, em um encontro da American Mathematical Society em 1931, e tornou-se um dos pressupostos da programação neurolinguística.
Essa experiência tem se mostrado muito rica. E, de tantos feedbacks e de muitíssimas gravações de consultas, elaborei uma lista dos 7 principais erros cometidos em uma anamnese.