Anamnese e a experiência das vídeos gravações

Essa experiência tem se mostrado muito rica. E, de tantos feedbacks e de muitíssimas gravações de consultas, elaborei uma lista dos 7 principais erros cometidos em uma anamnese.
Um caderno com uma caneta e papel em cima dele.

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Anamnese e vídeo-gravações.

Sou docente de graduação de medicina desde 2005. E, há dois anos, voltei a trabalhar com alunos do internato. No meu contato com eles, uma das atividades é a gravação de consultas (com as devidas autorizações dos pacientes).

Essa experiência tem se mostrado muito rica. E, de tantos feedbacks e de muitíssimas gravações de consultas, elaborei uma lista dos 7 principais erros cometidos em uma anamnese.

Além disso, a cada semana, com os devidos feedbacks, e a observação desses erros pelos estudantes, a evolução da consulta, tanto pela minha observação, quanto da auto-percepção dos alunos é excelente.

Na verdade, apesar de eu chamar de erros. Essas formas de fazer anamnese são apenas maneiras que não facilitam a comunicação e podem distanciar a relação profissional. Sanar esses “erros” nos aproxima do paciente e nos aproxima do que seria uma anamnese mais personalizada e um atendimento de excelência.

Vamos ver então quais são esses “erros”?

Erro #1 – Agenda do médico

Ao pegarmos a origem da palavra anamnese, verificaremos que ana, do grego, significa trazer de novo, e mnesis, memória. Ou seja, se formos pensar em anamnese ao pé da letra, significa que vamos realizar uma entrevista clínica com o objetivo de trazer de novo uma memória do paciente a respeito dos motivos que o fez procurar ajuda.

Entretanto, esse objetivo fica muitas vezes em segundo plano, pois nos primeiros minutos da entrevista, ao invés de tentarmos resgatar essa memória sob o ponto de vista do paciente, direcionamos a entrevista com perguntas que visem apoiar o nosso raciocínio clínico. Ou seja, a forma como o paciente deseja nos contar não importa muito, mas sim, se podemos verificar os sinais e sintomas que nós achamos importantes, e que sejam coerentes com os primeiros raciocínios clínicos.

Dessa forma, o raciocínio clínico se inicia pela “agenda” do profissional e a “agenda” do paciente se perde. E, portanto, também se perde a experiência da doença pelo ponto de vista do paciente.

O acerto do diagnóstico pode até ser certeiro, porém não sabemos se o principal anseio do paciente era saber o diagnóstico.

Erro #2 – Objetivo incerto

Partindo-se dos pressupostos que todo bom comunicador tem o objetivo que quer alcançar muito claro antes de iniciar a comunicação, e que a responsabilidade da comunicação sempre é de responsabilidade do comunicador, no caso, nós profissionais. Termos claro qual é o objetivo da anamnese antes de iniciar qualquer entrevista é de fundamental importância.

O objetivo principal mais comum de uma anamnese está relacionado a seguinte ideia. “Estabelecer, a partir de sinais e sintomas, um ou mais diagnósticos ou hipóteses diagnósticas”.

Esse objetivo não é errado, porém ele não é o principal. Ele é um objetivo acessório, e que será alcançado, mas sem ser perseguido. Uma analogia seria você trabalhar porque tem amor ao que faz ou no nosso caso, para melhorar a qualidade de vida das pessoas, e não para ganhar dinheiro. Claro que precisa ganhar dinheiro, mas esse objetivo é o acessório.

Sendo assim, minha sugestão de objetivo principal da consulta seria algo como: “Compreender os motivos de consulta explícitos e implícitos, e como esses motivos afetam a vida do paciente”. Nesse objetivo, destaco dois conceitos importantes.

O primeiro, motivos explícitos e implícitos. A maioria das vezes os pacientes trazem para consulta expectativas não explícitas, e que geralmente só são reveladas caso exista vínculo e/ou confiança no profissional que o está atendendo.

O segundo é entender como o motivo afeta sua vida. Pois a terapêutica precisa necessariamente dar conta das duas coisas, tanto dos motivos, quanto da maneira como esse motivos afetam o paciente. Inclusive nos ajuda a enfatizarmos mais algumas condutas ao termos isso claro.

Erro #3 – Falta de presença

A necessidade número um de qualquer pessoa que possua qualquer tipo de problema, e se propõe a relatar esse problema para uma outra pessoa é ser ouvida!

Tudo que acontecer depois será decorrente dessa primeira ação. Quem vai a uma consulta, sempre tem algum problema ou questão a ser tratada. E, existe um mínimo de expectativa de que possa ser ajudado por essa pessoa que está a atendendo.

Portanto, estar presente de corpo e alma na consulta, e disposição para ouvir é fundamental. Para isso, soltar a caneta ou colocar o teclado de lado, e estabelecer contato olho no olho é muito importante.

Ainda melhor se em alguns momentos demonstrarmos essa escuta presente, fazendo parafraseamentos do que foi dito, usando expressões como: “Deixa eu ver se entendi o que o(a) senhor(a) me disse até agora…, é isso mesmo?” ou “Então o(a) senhor(a) está me dizendo que…., é isso?

Erro #4 – Perguntas fechadas

É muito comum em uma anamnese utilizarmos perguntas como: o quê? quando? onde? ou do tipo: dói aqui? você fez isso? sente tal coisa?  Em alguns momentos elas são obrigatórias. Todavia, rechear a entrevista com excesso de perguntas fechadas, necessariamente irá direcionar demais para a nossa agenda e não para a agenda do paciente. E irá provocar muitas respostas curtas e de sim ou não. E, dessa maneira, inibir que o paciente consiga expor suas necessidades e angústias.

Perguntas abertas como: como isso aconteceu? Conte-me um pouco mais sobre isso? Você consegue relatar esses sintomas desde seu início… Essas perguntas exploram mais a visão do paciente, e permitem que as suas necessidades explícitas e implícitas venham à tona mais facilmente. Fatos que colaboram com o objetivo que traçamos para a anamnese.

Erro #5 – Falta de interesse genuíno

Esse erro infelizmente não tem muito conserto. Ou temos interesse genuíno pelas pessoas ou não temos. Interesse genuíno significa estar disponível para ajudar sem preconceitos de nível cultural ou sócio-econômico, de religião, cor, preferência sexual, etc..

Imagine que você odeie cachorros, e alguma pessoa próxima a você pede que tome conta do cachorro dela por uma semana, tempo em que irá viajar. Você, sem muita opção pela proximidade com pessoa, aceita o pedido. Provavelmente você irá alimentar, cuidar das fezes e urinas, e por eventualmente até levar para passear. Mas, fará tudo isso, por obrigação e consideração à pessoa que pediu para você tomar conta, não por que gosta.

Agora, imagine tudo de novo, só que com a diferença que você ama cachorros. Será que você fará as mesmas coisas da mesma maneira? Claro que não! Agora, o interesse genuíno por cachorros irá permitir que além de você tomar conta dele, você ofereça cuidado. Fará tudo o que for preciso para tomar conta, com uma dose a mais essencial de zelo.

No atendimento às pessoas funciona da mesma forma. Só é possível oferecer cuidado se houver interesse genuíno. E, consequentemente a anamnese se torna muito mais personalizada e melhor.

Erro #6 – Não respeitar os tempos de fala

Quando digo respeitar os tempos de fala, são dos dois lados.

Primeiro, a fala do paciente. É muito comum ver profissionais que perguntam coisas, já com uma expectativa de resposta, ou presumindo o restante da fala do paciente, e os interrompem antes de completarem seus diálogos.

Não importa o quão irrelevante ou óbvia a resposta possa parecer. Se fazemos uma pergunta, é nossa obrigação esperar a resposta completa. Esse respeito pelo tempo da fala, permite que o paciente se solte e se sinta à vontade para falar. Consequentemente a anamnese se torna mais fluida e próxima.

Claro que quando existe prolixidade é importante dar limites. Entretanto, isso é completamente diferente de interromper o tempo de fala.

O outro lado da moeda, pode acontecer com alguns pacientes. Aqueles que falam demais e não respeitam o tempo nosso tempo de fala. Nesses raros casos, também é importante dar limite. Lembre-se, o responsável pelo comunicação é quem presta o serviço. Portanto, caso sejamos interrompidos em demasia, é importante um posicionamento.

Erro #7 – Adotar uma postura paternalista

O papel do profissional de saúde no ideário social está relacionado fortemente com o papel de um pai. Alguém que sabe mais que nós, por ter mais experiência, e que será capaz de nos dar conselhos de vida.

Você já ouviu algum paciente dizer: “Ah! Nem vou ao médico! Para quê? Eu já sei que ele vai me mandar parar de beber cerveja e comer carne gorda…”

Será que é esse mesmo o nosso papel? De sermos o senhor de todas as respostas, e dizer tudo o que as pessoas devem fazer?

Há controvérsias. Em primeiro lugar, durante a anamnese é momento apenas de ouvir a história do paciente, sob o ponto de vista dele. Mesmo que ele diga algo do tipo. Olha, estou com dor de estômago, mas tomo o meu remédio todo dia depois do almoço. Por mais que saibamos que o recomendado seria tomar esse medicamento pela manhã em jejum. Durante a anamnese, o ideal seria apenas entender por que ele toma o medicamento assim, e outras coisas que ele faz.

Já começar a “dar conselhos” durante a anamnese, pode colocar em risco a postura de ouvirmos o ponto de vista do paciente, e assumirmos a nossa agenda e não a agenda do paciente.

O momento de falarmos qualquer coisa a respeito do plano terapêutico, deve ficar concentrado somente ao final da consulta, após termos percorrido todos os passos do SOAP (para saber mais sobre SOAP, clique aqui)

Conclusões

Qual desses erros é o pior a ser cometido em uma anamnese? Você já cometeu algum desses erros e depois que mudou sentiu alguma diferença em sua consulta? Existe algum erro que você acha importante de ser corrigido para se conseguir fazer uma anamnese mais personalizada e um atendimento de excelência e não está listado aqui?

Seria muito legal se pudesse responder a essas perguntas nos comentários abaixo.

Até o próximo artigo!

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Artigo por

Heitor Tognoli
Médico empreendedor e fundador da Communicare, um software completo para clínicas e consultórios. A Communicare nasceu do casamento entre a paixão pelo cuidado de excelência e pela praticidade que a tecnologia nos oferece. Hoje, ajudamos médicos e demais profissionais de saúde, que atuam em clínicas e consultórios, a revolucionarem a gestão e o cuidado em suas clínicas.
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Essa experiência tem se mostrado muito rica. E, de tantos feedbacks e de muitíssimas gravações de consultas, elaborei uma lista dos 7 principais erros cometidos em uma anamnese.
Qual é o modelo de prontuário ideal para o meu tipo de prática clínica? Se a sua prática clínica tem relação com o descrito acima, então esse modelo que irei propor pode fazer bastante sentido para você.
Empatia (s.f.): Não é sentir pelo outro, mas sentir com o outro. Quando a gente lê o roteiro de outra vida. É ser ator em outro palco. É compreender. É não dizer “eu sei como você se sente”. É quando a gente não diminui a dor do outro. É descer até ao fundo do poço e fazer companhia pra quem precisa. Não é ser herói, é ser amigo. É saber abraçar a alma.